René Lommez Gomes Universidade Federal de Minas Gerais Nas últimas décadas, fortaleceu-se um movimento de reavaliação da forma como os povos africanos e seus descendentes foram representados na arte europeia da primeira idade moderna. Ele resulta de uma mudança de percepção dos historiadores da arte quanto à importância da visualidade do corpo negro em um grande volume de desenhos, gravuras, pinturas e esculturas do período; cuja análise deixou de ser considerada como tema menor da área, para ganhar centralidade nas discussões contemporâneas. Paralelamente ao movimento, foi fortalecida a exumação de numerosas obras de arte das reservas técnicas dos museus, nas quais mulheres e homens negros foram representados a desempenhar um conjunto bastante amplo de personagens, que não se limitava aos tão conhecidos papéis de reis magos, escravos e servos, ou personificações da África. Este processo deu ensejo à criação de novas estratégias para a interpretação das representações de africanos e seus descendentes. Nas últimas décadas, o método mais utilizado para a leitura deste tipo de produção consistia na mera identificação de padrões de representação estereotipados, acompanhada pelo estudo da transmissão dos modelos iconográficos empregados pelos artistas. Apesar de eventualmente renderem frutos fascinantes, muitos estudos deste tipo resultaram em interpretações superficiais da arte do passado, assentadas em argumentos com fraca fundamentação teórica ou documental, em razão de uma suposta inexistência de documentos que registrariam como trabalhavam e pensavam os artistas ao representarem homens e mulheres negros. Por outro lado, escapando às caracterizações fáceis, as obras de artistas que não recorreram a estereótipos de representação do negro prontamente reconhecíveis foram anacronicamente interpretadas como "retratos sinceros" e isentos de preconceitos. Transparece, nestes trabalhos, o desconhecimento de uma série de vestígios documentais e materiais que evidenciam as preocupações dos artistas com o tema. Em meados do século XVII, por exemplo, o pintor neerlandês Wilhelmus Beurs testemunhou que "a navegação é perene em nossos dias". Por meio dos navios batavos e de outras nações, os homens podiam partir para qualquer terra do mundo. Do mesmo modo, nas praias do norte da Europa desembarcava "uma abundante variedade de produtos exóticos". Segundo Beurs, o fato impunha um enorme desafio aos artistas: conhecer e saber representar as coisas do mundo que podiam "adornar sua arte". Com vistas a isto, ele incluiu em seu tratado de pintura, "O grande mundo pintado em miniatura..." (De groote waereld in 't kleen geschildert...), receitas para a representação e o colorido de objetos e seres de todo o mundo por meio do emprego da tinta a óleo. Preocupações semelhantes são percebidas nas publicações de outros teóricos da arte norte-europeia, sobretudo com relação à boa representação dos africanos. Albrecht Dürer, Samuel van Hoogstraten, Gérard de Lairesse, Michael Snijders publicaram tratados e manuais que, entre outros temas, não descuravam da preparação dos artistas para desenhar e pintar africanos. Nestas publicações, a abordagem do tema se dava a partir do ponto de vista técnico, com a busca pela garantia do bom desenho e do colorido realista do corpo negro, ou pela perspectiva teórica, com discussões sobre o decoro e a busca da expressão na representação de negros como "partes acessórias" de uma narrativa ou como personagens movidos por paixões especificas dos membros de "sua nação". Partindo do estudo de tratados e manuais de arte norte-europeus, cotejado por análises da materialidade de obras de arte e de outras tipologias de documentação escrita (a exemplo de inventários), esta conferência tem por objetivo produzir reflexões sobre o modo como a necessidade de representação do corpo negro foi tomada como um desafio técnico e teórico por parte de pintores flamengos e neerlandeses do século XVII. Mais informações: Descarregar Cartaz |
Org. Centro de História da Universidade de Lisboa Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 30 de Maio de 2018, Sala 5.2, às 18:00 Comments are closed.
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